Como as Fintechs podem fazer com que produtos interessantes cheguem até as comunidades

Authored by: Sushmita Meka
June 19, 2018 - 8 mins read

(Read the English version here)

Em novembro do ano passado, tive a oportunidade de viajar para São Paulo com a equipe do Catalyst Fund, e conhecer melhor a ToGarantido, corretora de seguros online. O objetivo da viagem era aprofundar o entendimento quanto à proposta de valor de seu produto e canal, para os consumidores brasileiros de baixa renda. Por meio da ToGarantido, os consumidores brasileiros podem adquirir seguro de vida de baixo custo, associado a determinados benefícios de saúde, online, por chatbot — canal bastante popular entre os consumidores brasileiros. A nossa equipe tinha dois objetivos em mente: primeiramente, queríamos identificar os benefícios tangíveis que tornariam a contratação do seguro interessante para os consumidores, mesmo sem qualquer sinistro; e, em segundo lugar, queríamos testar a usabilidade do chatbot da ToGarantido antes de seu lançamento.

Quando chegamos ao Brasil, eu e o Javier, meu colega, tínhamos muitas dúvidas quanto à familiaridade dos brasileiros com os smartphones e a contratação formal de seguros. Já trabalhei em diversos lugares do mundo (mais especificamente, nos mercados rurais e urbanos da África), e já havia recebido bastante feedback dos consumidores, tanto em relação aos produtos financeiros, quanto ao teste da viabilidade das soluções tecnológicas disponíveis para incluir os consumidores de baixa renda no sistema financeiro formal. Estas experiências me mostraram que apesar da promessa embutida nestas soluções, há diversos obstáculos que dificultam a sua chegada a uma ampla gama dos consumidores de baixa renda, por conta das barreiras existentes ao uso dos smartphones. Por exemplo, na África Subsaariana e em muitos países emergentes, mesmo as pessoas que têm smartphones muitas vezes: 1) não tem acesso permanente à rede de dados, 2) têm aparelhos mais antigos, com armazenamento limitado, telas menores ou sistemas operacionais desatualizados e 3) ainda não sabem fazer o download ou navegar pelos aplicativos com tanta facilidade.

Foi uma grata surpresa perceber o quanto os brasileiros estão acostumados a usar os seus telefones para tudo — um dos entrevistados nos disse, “eu guardo tudo na nuvem!”. A pesquisa foi realizada no Jardim Ângela, que já foi uma das favelas mais perigosas de São Paulo. Na década de noventa, o Jardim Ângela chegou a ser conhecido com a comunidade mais violenta do mundo.[1] Até hoje, a maior parte dos bancos e fintechs atuando no Brasil não dão muita atenção ao Jardim Ângela, e a comunidade ainda é ignorada por muitas das grandes empresas brasileiras. Porém, hoje em dia, o Jardim Ângela é uma comunidade efervescente, constituída de moradores que gostam de novidades, têm sangue empreendedor e sabem usar a tecnologia muito bem — além de precisarem de serviços financeiros e sociais que sejam acessíveis e convenientes. Realmente não dá para entender como a maior parte das empresas brasileiras ainda não olharam para estas comunidades como oportunidades de mercado.

 

Poucas fintechs têm como foco os consumidores de baixa ou média renda; todavia, considerando que há quase 66 milhões de adultos vivendo sem contas bancárias no país (apenas à título de comparação, a população total da Espanha é de 46 milhões de pessoas), está mais do que claro o que isso significa em termos de oportunidade.

Assim, o que é que as fintechs devem tem em mente ao levar estes segmentos em consideração. Eis quatro coisas que aprendemos durante a nossa sema em campo com a ToGarantido.

A oportunidade é clara

O Brasil é um país digital

 

Os brasileiros curtem os aplicativos de mensagem, desde o Orkut, ao Messenger e ao WhatsApp. Como as empresas passaram a incluir a troca de mensagens online em sua interação com os clientes, os consumidores esperam que as empresas usem a troca de mensagens para melhorar a experiência do usuário. Todos os entrevistados que participaram de nosso teste de usabilidade no Jardim Ângela tinham um smartphone e dominavam o uso do WhatsApp e do Facebook.

Uma das entrevistadas, a Isadora, de 50 anos e recém-aposentada, nos contou que adora participar de comunidades online para aprender mais sobre o que as pessoas em diferentes países estão interessadas e o que elas estão fazendo. Ela participa destas comunidades por meio de grupos no WhatsApp ou no Facebook. “Eu sou uma pessoa curiosa,” ela disse, “Eu não falo inglês, mas eu adoraria aprender para fazer mais amigos”. Outra pessoa nos contou sobre uma experiência de compra realizada inteiramente pelo WhatsApp, e também que já havia solicitado e recebido informações sobre empréstimos bancários por meio de mensagens.

 

Além disso, os consumidores enxergam a experiência digital como antidoto à burocracia. Eles valorizam a oportunidade de evitar filas longas, passar de uma repartição à outra, em lugares diferentes da cidade, e as longas esperas associadas à prestação de serviços presenciais. Para um dos entrevistados, “Perdemos um dia inteiro toda vez que temos que ir para o Centro. Se eu conseguir [contratar seguro] em casa, no meu computador ou por telefone, está maravilhoso”. O tempo economizado aparece como grande benefício em São Paulo e em outras cidades brasileiras nas quais atravessar os diferentes bairros pode tomar quase metade de um dia — especialmente no que diz respeito aos serviços de saúde.

Alta adesão à contratação de seguros

Considerando o objetivo da ToGarantido de oferecer apólices de seguro customizadas por meio do chatbot às pessoas que não têm apólices contratadas, ou que tenham poucas opções de cobertura, procuramos por entrevistados entre os moradores do Jardim Ângela tanto que já tivessem contratado seguro, quanto que não tivessem. O objetivo de entrevistar os dois grupos era entender: 1) os problemas e as lacunas na oferta atual de seguros no Brasil, e 2) os motivos pelos quais os moradores que não tinham seguro não haviam contratado seguro.

Ficamos impressionados ao vermos que em todos os grupos — mesmo nos grupos cujos entrevistados não deveriam ter seguro — a maior parte dos entrevistados tinham ou já tinham contratado algum tipo de apólice de seguro anteriormente. Cerca de ⅔ dos participantes do grupo de pesquisa tinham algum tipo de cobertura atualmente, ou já tiveram no passado. Entre as apólices, havia seguro contra roubo de celular, seguro auto, assistência funeral e os seguros cobrados automaticamente em cartões de crédito. As apólices de seguro saúde e de vida foram as menos comuns — a maioria dos entrevistados que tinham estas apólices receberam os benefícios de seus empregadores.

Contudo, as opções de seguro de vida associado a benefícios médicos oferecidas pela ToGarantido, os quais podem ser usados na rede credenciada de clínicas médicas em todo o país, surgiram como opção nova para muitos dos entrevistados. Em geral, os seguros de vida e o acesso aos benefícios médicos costumam ser caros e burocráticos. Assim, apesar de haver grande interesse pela cobertura, a maior parte dos entrevistados nunca havia contratado estes tipos de seguro antes. Todavia, graças ao canal digital, os pacotes de seguro oferecidos pela ToGarantido surgiram como boa opção de preço e benefícios, que realmente impressionaram muitos dos participantes.

O que é necessário manter em mente?

As empresas devem conquistar a confiança dos consumidores por meio de diferentes canais

Os consumidores brasileiros gostam do ambiente online e têm acesso a ele, mas não estão dispostos a distribuir informações pessoas às empresas por aí.

Os entrevistados ficaram interessados em comprar seguro por meio de um canal digital, mas listaram diversas maneiras que utilizam para confirmar a legitimidade da empresa e do site, antes de fazer qualquer compra. A combinação de indícios físicos e virtuais da existência das empresas parece ser a mais interessante/convincente, mas as empresas que estiverem entrando no mercado podem começar por estabelecer pontos fortes de presença digital, e até mesmo refletir os pontos de validação de presença física virtualmente. De acordo com a pesquisa realizada recentemente pela ideas42, os prestadores digitais de serviços financeiros devem superar a falta de interação física ou humana ao inspirar confiança de outras maneiras.

 

Well-placed cues on ToGarantido’s website engender trust — such as prominently displaying the company’s location.

A ToGarantido faz isso ao incluir os logos de parceiros de confiança em diferentes páginas do site, como é o caso da seguradora Chubb e a prestadora de serviços de saúde VidaClass. Há outras formas mais sutis de aumentar a confiança também. Por exemplo, no site consta o endereço do escritório da ToGarantido, juntamente com o respectivo mapa, permitindo que possíveis consumidores visualizem o local, que fica no coração da região financeira de São Paulo, juntamente com outros grandes bancos e empresas.

Além disso, a experiência por chatbox foi inteiramente incluída no site seguro da ToGarantido. Os entrevistados se assustaram um pouco, durante a pesquisa, quando foram automaticamente levados do site da ToGarantido à janela do Facebook Messenger (por meio de pop-up) para interagirem com o chatbot. Eles não se sentiram à vontade com o uso de um outro aplicativo. Este passo não só tornava o processo menos direto, mas os entrevistados não se sentiram tranquilos quanto à disponibilização de informações sensíveis em uma rede social, como o Facebook ou o Whatsapp. Cada parte do processo, desde a navegação pelos diferentes pacotes oferecidos, até a contratação da apólice, permite que os consumidores confirmem que a conexão à internet ainda está segura, ao ver o endereço “https” e o respectivo cadeado, que sinaliza a segurança do site. O Manual de Dicas de Confiança Online do Catalyst Fund inclui uma série de outros exemplos de confiabilidade que podem ser usados em cada passo da experiência do consumidor.

A experiência do usuário é essencial

Os entrevistados não ficaram surpresos com a possibilidade de adquirir produtos/serviços pelo chatbot. Afinal de contas, Brasil é dos maiores mercados do WhatsApp e conta com um plataforma local de mensagens instantâneas chamada Fred, que é bastante popular.

Muitos dos entrevistados já haviam interagido com chatbots anteriormente para tirar dúvidas online com lojas de varejo; apesar de alguns acharem o processo fácil, outros disseram que a experiência foi bastante confusa. Por exemplo, muitas vezes ficou óbvio demais que a pessoa estava falando com robôs programados de acordo com um roteiro — além de ser fácil demais cair num looping sem fim. Para estes consumidores, o chatbot não conseguia encontrar as respostas ou customizar o serviço que eles estavam buscando. Um dos entrevistados disse, “Se você não vai responder às minhas perguntas dentro dos próximos 5–10 minutos, eu vou procura rotura coisa. Apesar dos entrevistados em geral preferirem realizar operações cem por cento online, estas interrupções na experiência foram suficientes para que eles abandonassem a compra totalmente, muitas vezes procurando alternativas que não buscassem a interação online.

Os consumidores não estão satisfeitos com a oferta atual de seguros

Muitas das pessoas com as quais falamos tinham apólices em vigor, apesar de terem afirmado que há muitas lacunas nas opções de seguro existentes, não só em termos de custo, mas também de acessibilidade em caso de necessidade. Uma das entrevistadas disse que os seus contratos de seguro atualmente são “redigidos para que não sejam usados”. Segundo ela, os processos são tão arcaicos ou confusos que entender o que é preciso fazer quando se está em meio à necessidade do serviço é suficiente para dissuadir os consumidores.

Outra entrevistada, a Maria, disse que, “Há muita concorrência no mercado de seguros, e uma oferta grande de produtos a escolher. Mas sempre acabamos indo na opção que é mais fácil, ou que nos atende melhor — mesmo sendo a mais cara.” Fernando, de cerca de 30 anos, disse também que ele “ama” o produto bancário digital oferecido pelo NuBank, por ser “menos forma, e porque funciona e é personalizado. Se eu preciso alterar ou atualizar alguma coisa, eu consigo fazer assim, ó (estala os dedos). Dá para mudar o seu endereço e bloquear uma compra — e ele fala com você como se fosse o seu melhor amigo.”

A oportunidade de balançar o cenário das fintechs brasileiras com produtos simples e customizáveis para consumidores de baixa renda está clara. Isso é verdade principalmente em relação ao segmento das comunidades pujantes do Brasil, que estão lado a lado com as grandes empresas, mas costumam ser ignoradas por elas.

O tempo urge

Em decorrência de nossa semana de pesquisa no Brasil, a ToGarantido fechou uma parceria com a seguradora internacional Chubb. O Catalyst Fund oferece orientação para a criação de produtos inovadores para o mercado brasileiro, na forma de alternativa acessível para as famílias e pessoas de baixa renda, que não têm acesso aos planos de saúde tradicionais.

Graças aos insights que coletamos, a ToGrantido e a Chubb co-criaram um produto de seguro cem por cento online, incluindo coberturas como morte acidental, internação/hospitalização e doenças graves, juntamente com benefícios médicos valiosos, tais como descontos em consultas médicas, testes laboratoriais e remédios. A parceria com a Vida Class, empresa que promove o acesso a serviços médicos acessíveis, permitiu que os clientes da ToGarantido tenham acesso a estes serviços médicos com desconto em mais de 6.000 especialistas, 10.000 laboratórios médicos e 22.000 farmácias em todo o país.

Como se não bastasse, o primeiro cliente a contratar o seguro inteiramente por meio do chatbot foi um senhor de 65 anos! É bastante provável que o perfil de consumidores que você menos espera acabe se tornando justamente a sua maior clientela!

[1] “Not as violent as you thought: Contrary to stereotype, the murder rate is falling.” The Economist. http://www.economist.com/node/11975437


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